Análise

A discreta hegemonia do Seattle Sounders

António Ribeiro / March 29, 2021

Fotografia: Jane Gershovich

O equilíbrio competitivo da Major League Soccer e as suas naturais dores de crescimento fizeram com que no primeiro quarteirão da história da principal prova de clubes norte-americana tenham-se verificado treze campeões diferentes. Contudo, é possível encontrar ao longo destes 25 anos de MLS períodos pontuais de notório domínio, como é o caso do DC United, vencedor inaugural da competição que levantou o troféu em 1996, 1997 e 1999, ou do afamado LA Galaxy, conjunto que acumulou mais títulos (cinco), e que se sagrou campeão em três ocasiões entre 2011 e 2014. Neste momento, estamos a assistir a um novo período dominante que começou algures em 2016 e que teima em não desaparecer: a era do Seattle Sounders. O Soccer em Português dá conta desta curiosa hegemonia que para já se reflecte em quatro presenças na grande final só nos últimos cinco anos. 

Antes do Sounders vem Seattle, cidade com histórico futebolístico consolidado que remonta à década de 1970, aquando da sua participação na North American Soccer League, liga essa que, por uns momentos, parecia ser a chave para o êxito do futebol nos Estados Unidos. Entre 1974 e 1983, o Seattle Sounders foi vice-campeão duas vezes, com plantéis de evidente influência britânica, onde se destacavam nomes como os de Peter Ward, Steve Daley, Ray Evans ou Roger Davies. Mais tarde, com a promessa de uma nova liga de clubes profissional, em consequência da atribuição da organização do Campeonato do Mundo de 1994 aos EUA, a comunidade local reergueu o emblema, que voltou aos triunfos, desta feita em divisões inferiores. Enquanto aguardava pelo desejado convite da MLS, o Sounders conquistou títulos nacionais importantes em 1995, 1996, 2005 e 2007, e construiu uma base de apoio sólida, fiel e recheada de entusiasmo.  

As condições financeiras necessárias à aprovação de uma candidatura à MLS reuniram-se finalmente em 2007, e o Seattle Sounders deu início a uma nova fase da sua história em 2009, pontuada com a presença de 32 mil espectadores no seu estádio para o jogo inaugural. E se nas bancadas o Sounders dominava o campeonato, com as assistências médias a subirem anualmente até aos 40 mil espectadores por partida caseira, dentro do campo a equipa conseguiu desde o começo demonstrar a competitividade necessária, sempre sob a orientação do técnico alemão Sigi Schmid. O Sounders mantém até hoje a proeza notável de nunca ter falhado o acesso aos Playoffs em doze temporadas de existência. Nas três primeiras épocas venceu a Taça dos EUA, e protagonizou caminhadas surpreendentes como a de 2012, onde foi finalista vencido da Taça dos EUA, e alcançou as meias-finais do campeonato e da Liga dos Campeões. Desenhava-se claramente uma trajectória ascendente, embora se verificasse ao mesmo tempo uma constante incapacidade de triunfar nos palcos decisivos. Na ressaca de nova desilusão nos Playoffs de 2014, a administração decidiu substituir o Director-Geral Adrian Hanauer (um dos principais investidores do clube), por Garth Lagerwey, que tinha realizado um trabalho exímio em funções similares, mas ao serviço do Real Salt Lake. Em simultâneo, surgiu o anúncio da separação definitiva entre o Sounders e a outra equipa profissional da cidade, o Seattle Seahawks, cujas estruturas eram partilhadas com o intuito de respaldar os primeiros passos do novo clube. O Seattle Sounders tornava-se assim uma instituição independente, pouco antes de se transformar num emblema hegemónico. 

Tudo começou em 2016. Poucos dias após o começo oficial da temporada, o principal artilheiro do plantel, Obafemi Martins, anuncia de forma repentina a sua saída para a China, deixando o treinador Schmid com menos uma opção ofensiva de peso, e sem janela de oportunidade para reparar a conjuntura. A produção atacante caía a pique face a anos anteriores, mas mais do que isso, o espírito colectivo começou a ressentir-se e a deteriorar-se com a sequência de resultados negativos. Doze derrotas nas primeiras vinte rondas foram a gota de água para o novo Director-Geral, que decidiu afastar aquele tinha sido o único treinador principal do clube até então, durante sete anos e meio. O desgaste entre todos os envolvidos tornava-se evidente. Para assumir o seu lugar veio Brian Schmetzer, não somente por ser um dos seus adjuntos, mas sobretudo por fazer parte da história futebolística da cidade. Schmetzer foi um dos jogadores da equipa de 1970 e 1980 acima referida, e treinador campeão pelo Sounders do novo século, na antecâmara da MLS.  

No mesmo dia em que Schmid abandonava as instalações, um novo jogador acabava de chegar: o internacional uruguaio Nicolas Lodeiro. O virtuoso médio havia sido um pedido específico do treinador agora de saída, pois Schmid acreditava que a equipa necessitava urgentemente de um armador de jogo de qualidade para solucionar a desarticulação existente entre as peças ofensivas. Infelizmente, chegaria tarde demais para que Schmid pudesse colher os louros dessa contratação.  

Dos catorze encontros da Fase Regular da MLS que restavam disputar, o Sounders venceu oito e perdeu apenas dois, conseguindo uma recuperação incrível rumo aos Playoffs sob a orientação do novo técnico Brian Schmetzer. No relvado, as peças não mexeram substancialmente, mas a influência de Lodeiro revelou-se decisiva até final, na forma como fez crescer os colegas à sua volta, mesmo após o afastamento de Clint Dempsey devido a problemas no coração. A jovem promessa Jordan Morris e o internacional paraguaio Nelson Valdez beneficiaram em muito com esta adição ao plantel, e dispararam a sua produção ofensiva no momento mais crucial. O Sounders ultrapassou as três eliminatórias dos Playoffs rumo à final pela primeira vez, e apesar de ter discutido o troféu em terreno alheio diante do favorito Toronto FC, aguentou com firmeza e coragem as investidas do adversário. O guardião Stefan Frei foi o herói da partida, com intervenções impressionantes nos 120 minutos e nas grandes penalidades que decidiram o campeão. Desta forma, a dupla Schmetzer e Lodeiro transformou uma época aparentemente desastrosa numa das mais importantes do palmarés do clube. Mas não ficariam por aqui. 

O título de 2016 seria apenas o despoletar de um período de dominância futebolística que ainda não terminou. Nas últimas cinco temporadas, o Seattle Sounders marcou presença em quatro finais, conquistando o título em duas delas. A paridade financeira e competitiva da prova só vem acentuar a importância deste feito. Graças a uma estrutura competente e a uma comunidade local efusiva, o Sounders conquistou o seu espaço na MLS, faltando apenas almejar a dimensão continental, ainda sem expressão devido a insuficientes campanhas na Liga dos Campeões. Parte para a época de 2021 obviamente como um dos conjuntos favoritos ao título, ainda com Brian Schmetzer no banco, e com Nicolas Lodeiro no relvado. 

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