Poucos meses após a dramática derrota em Trinidad e Tobago que ditou a ausência da Selecção norte-americana do último Campeonato do Mundo, Phil West, um dos cronistas mais respeitados no universo do soccer, publicou I Believe That We Will Win (2018), um livro que discorre sobre o potencial dos Estados Unidos em triunfar no Campeonato do Mundo num futuro próximo. Através de um conjunto robusto de testemunhos de jogadores, treinadores e jornalistas, Phil West dá-nos o devido enquadramento histórico e futebolístico, explicando-nos passo a passo de que forma é que isso poderá acontecer. Passados três anos sobre a publicação do livro, e em vésperas da Fase Final da Liga das Nações da CONCACAF, o Soccer em Português decidiu convidar o autor para uma entrevista exclusiva, e tentar perceber se o seu optimismo ainda se mantém.
(ENGLISH VERSION OF THE INTERVIEW BELOW)
Onde estava na noite de 10 de Outubro de 2017? O que sentiu?
A partida começou e eu dirigia freneticamente para casa depois de dar uma aula em San Antonio, tentando (e falhando) colocar um stream no meu carro e a contar com amigos para actualizações. Assisti ao final do jogo na minha sala de estar, em estado de choque, atrasando o que deveria ser uma noite de comemoração do 40º aniversário da minha esposa. Estava entorpecido, mas com raiva, e também um pouco desconsolado. Não foi um grande momento enquanto adepto de futebol. Também percebi ali que o texto que acabara de entregar, pressupondo que os EUA se classificariam para o Campeonato do Mundo, precisaria de uma reformulação.
Depois da derrota em Trinidad e Tobago, que pôs fim às aspirações do Mundial de 2018 para os Estados Unidos, o seleccionador Bruce Arena disse que «não há nada de errado com o que estamos a fazer». É possível concordar com esta afirmação?
Dizer que «não há nada de errado com o que estamos a fazer» é uma afirmação bastante arrogante – especialmente quando não nos classificamos para um Campeonato do Mundo a que deveríamos ir a cada quatro anos apenas com base no nosso talento. Foi um ano um tanto estranho – como eu disse às pessoas, não há garantia de que uma Selecção entre sempre no Mundial, e foi um ano em que Itália, Holanda e Chile também não se classificaram. Mas foi uma declaração muito surda, especialmente dada toda a angústia que estava lá fora. Muitos fãs diziam: «Se não há nada de errado com o que estamos a fazer, estávamos a caminho do Mundial, em vez de ficar em casa!». Afirmei no meu livro que o que estávamos a fazer e a começar a implementar nos últimos anos ajudaria os EUA a aproximarem-se da conquista de um Campeonato do Mundo. O problema era que a equipa montada para a qualificação não reflectia essas mudanças e não tinha o mesmo alto nível de talento que o actual plantel. Ainda assim, houve alguns erros ao longo da campanha de qualificação e alguma arrogância durante a partida em Couva.
Após uma breve experiência como técnico do New York MetroStars em 1996, Carlos Queiroz foi convidado pela Federação dos Estados Unidos de Futebol para criar um plano de desenvolvimento para a Selecção dos Estados Unidos, visando o Mundial de 2010. O que foi exactamente este ‘Projecto 2010’ e por que razão o plano solicitado não foi totalmente implementado na época?
Eu falo sobre isso no prefácio do meu livro. Há também uma citação anexada à discussão do ‘Projecto 2010’ de Sunil Gulati, que supervisionava o futebol norte-americano na época, no sentido de que “essas eram ideias gerais, e não um projecto exacto”. Acho que a combinação das Academias MLS e as redes que estão a ser construídas com alguns clubes europeus – como o FC Dallas com o Bayern de Munique, ou com o Red Bulls e o City Football Group, estão a começar a render alguns dividendos. Embora ainda haja dúvidas sobre o quão desproporcional o papel do futebol de clubes pode ser, e se estamos realmente a receber os jovens norte-americanos mais talentosos e o melhor treino, acho que estamos mais próximos de desenvolver talentos dignos de Campeonato do Mundo do que há cinco anos. Apenas ter jogadores norte-americanos a actuar em clubes como Barcelona, Juventus, Chelsea e Dortmund já é uma prova disso.
O recente sucesso do Philadelphia Union nas competições domésticas, na Liga dos Campeões e nos dividendos financeiros obtidos através da venda dos seus jogadores, pode ser a chave para que outras equipas da MLS se sintam tentadas a optimizar as suas próprias Academias?
O Union tem uma excelente Academia que desenvolve os jogadores desde muito cedo; também tem um excelente treinador em Jim Curtin e um grande director desportivo em Ernst Tanner. As Academias estão a tornar-se importantes na MLS, mais importantes para os clubes, e também para a equipa dos Estados Unidos. Mas as Academias são apenas uma peça do quebra-cabeças – os jogadores da formação são apenas uma parte daquilo que torna um clube da MLS bem-sucedido.
Se as Academias da MLS existem há vários anos, com alguns resultados promissores, por que motivo as Selecções mais jovens continuam a fracassar?
Acho que talvez esteja a pensar na não-qualificação da Selecção olímpica. Escrevi sobre isso na minha primeira coluna para o ‘The Striker Texas’: O problema desta última vez não foi que não estejamos a produzir o talento para nos qualificarmos; é que os nossos melhores Sub-23 não estavam a jogar nos Sub-23, porque estão a jogar na Selecção A. No dia em que os Sub-23 perderam o encontro de qualificação para as Olimpíadas, a equipa principal estava a disputar um amigável, e acho que o amigável foi mais importante do ponto de vista de «jogadores da qualificação para o Mundial precisam de minutos juntos».
Acredita que o talento e a visibilidade mundial de Christian Pulisic podem ter um papel importante em trazer mais jovens para o futebol, contribuindo para o seu crescimento?
Não apenas Pulisic! Veja Weston McKennie. Veja Gio Reyna. Olhe para Chris Richards. Todos são jogadores com experiência nas Academias da MLS, agora em grandes clubes europeus. Eu acho que isso inspirará jovens jogadores.
Parece que muitas das convocatórias internacionais nos Estados Unidos são feitas não pelo talento e performance actuais dos jogadores nos seus clubes, mas mais com o intuito de observar certos jogadores de perto. Por esse motivo, existem actualmente largas dezenas de jogadores norte-americanos com internacionalizações. Acha que a Selecção dos Estados Unidos tradicionalmente convoca muitos jogadores diferentes, não conseguindo formar um grupo coeso?
Acho que, nesta fase, o que eles estão a fazer é apropriado. Parte disso realmente tem a ver com o facto de existir um grupo de jogadores na MLS e um grupo de jogadores na Europa, e os desafios de fazer os clubes dispensar jogadores em diferentes momentos da temporada. Abril e Outubro significam coisas profundamente diferentes para uma equipa da MLS e uma outra da Premier League. Acredito que, assim que chegarmos às eliminatórias para o Campeonato do Mundo no Outono, teremos um universo mais finito de jogadores a que recorrer. Mas, por enquanto, vamos ver o que esses jogadores podem fazer! Também acho que 2022 vai ser um Mundial muito estranho. Acho que chegar aos Quartos-de-final em 2022 seria um grande impulso para 2026, quando a actual geração de jogadores – uma ‘geração de ouro’, se preferir – estará no auge.
Escreveu que esperava que o treinador indicado para a qualificação para 2022 pudesse ajudar a equipa a articular uma identidade e a jogar com um propósito que não encontrou de forma consistente neste último ciclo de qualificação. Gregg Berhalter preenche essa descrição?
Na verdade, acho que Berhalter tem uma visão que está a manifestar-se, embora também ache que ele estava a experimentar desde o início e talvez estivesse a ser muito fofo e cerebral para uma equipa internacional. Não consegues trabalhar com a tua Selecção Nacional semana após semana; precisas de manifestar ideias que possam ser apreendidas e executadas por jogadores que só conseguem trabalhar uns com os outros ocasionalmente. Josh Wolff, que era assistente de Berhalter, tem um sistema semelhante ao dos Estados Unidos que usa no Austin FC, e é fascinante vê-lo a desenvolver-se. Pergunto-me o que um treinador como Jesse Marsch poderia trazer para esta equipa – eu poderia vê-lo a fazer grandes coisas com a Selecção dos Estados Unidos se tivesse essa oportunidade – e estou definitivamente curioso para saber como Tata Martino poderia ter sido, no momento que ele expressou interesse no cargo. Mas tenho a certeza que Berhalter estará seguro até pelo menos o Mundial de 2022, a menos que algo completamente inesperado aconteça.
Na sua opinião, quais são as principais diferenças entre a Selecção que não conseguiu qualificar-se para o último Mundial e este grupo que se prepara para iniciar um novo ciclo?
A principal diferença é o talento e a juventude. No geral, é uma equipa melhor do que aquela com a qual disputámos na qualificação de 2018, e não depende de tantos jogadores na casa dos 20 e 30 anos. Em 2026, alguns dos principais jogadores estarão na faixa ideal de 24-27 e terão de seis a dez anos de experiência internacional, o que parece absolutamente absurdo. De momento, é possível traçar duas convocatórias diferentes de jogadores, o que é realmente impressionante. A posição de avançado ainda é um ponto de interrogação, mas tudo o resto é realmente entusiasmante e, a julgar pelo progresso de Daryl Dike, a posição de avançado é muito menos um ponto de interrogação agora!
Como o título do seu livro diz, acredita que a Selecção dos Estados Unidos vencerá um Campeonato do Mundo. O que será necessário para que isso aconteça?
O que está no livro ainda se aplica! Os EUA terão que desenvolver talentos através dos circuitos da MLS e da Europa, o Futebol dos EUA precisa de se coordenar com a crescente rede de olheiros da MLS para encontrar talentos e teremos que ganhar o recrutamento de alguns dos jogadores que poderiam jogar tanto pelos EUA como pelo México. (O que está a acontecer agora com Efrain Alvarez, por exemplo, é um lembrete de que não vamos ganhar todos, nem precisamos). Certamente ainda há mais trabalho a ser feito, pois não estou totalmente convencido, baseando-me nas prestações em jogos amigáveis recentes, mas estou optimista para o futuro.
ENGLISH VERSION
Where were you on the night of October 10th, 2017? What did you feel at the time?
I started the match frantically driving home from a class I was teaching in San Antonio, trying (and failing) to get a BeIn stream in my car, and relying on friends for updates. I finished the match watching in my living room, in shock, delaying what was supposed to be a celebratory night out for my wife’s 40th birthday. I was numb, yet angry, and also a little disconsolate. It was not a great moment in my soccer fandom. I also realized in there that the manuscript that I’d just turned in, predicated on the assumption that the U.S. would qualify for the World Cup, was going to need some retooling.
After the loss at Trinidad and Tobago that ended US World Cup 2018 aspirations, head coach Bruce Arena said that «There’s nothing wrong with what we’re doing». Can you agree with that statement?
To say, “There’s nothing wrong with what we’re doing” is a pretty arrogant statement — especially when we didn’t qualify for a World Cup we should get to every four years based on our talent alone. It was a bit of an odd year — like I pointed out to people, there’s no guarantee that a team gets into a World Cup every cycle, and it was a year in which Italy, Netherlands, and Chile also didn’t qualify. But it was a very tone-deaf statement, especially given all the angst that was out there. Plenty of fans were saying, “If there’s nothing wrong with what we’re doing, we’d be going to the World Cup instead of staying home!” I maintained in my book that what we were doing and starting to implement over the last few years was going to help the U.S. get closer to winning a World Cup. The problem was that the team assembled for the 2018 WCQ run didn’t reflect those changes and wasn’t at the same high talent level that the current senior squad is at. Still, though, there were some missteps throughout the qualification campaign, and some definite hubris going into the T&T match in Couva.
After a brief experience coaching the New York MetroStars in 1996, Carlos Queiroz was invited by the US Soccer Federation to create a development plan for the US National Team, aiming at the 2010 World Cup. What was exactly this ‘Project 2010’, and why did the requested plan be not entirely put into place at the time?
I talk about this in the preface of my book. There’s also a quote attached to the Project 2010 discussion from Sunil Gulati, who was overseeing U.S. Soccer at the time, to the effect of “these were general ideas and not an exact blueprint.” I think the combination of MLS Academies stepping up and the networks that are being built with some European clubs — like FC Dallas with Bayern Munich, or with Red Bull and City Football Group, are beginning to pay some dividends. While there are still questions of how outsized the role of club soccer might be, and if we’re really getting the most talented young Americans and the best training, I think we’re coming a lot closer now to developing World Cup-worthy talent than we were even five years ago. Just having American players featuring for the likes of Barcelona, Juventus, Chelsea, and Dortmund is evidence of that.
The recent Philadelphia Union’s success in domestic competition, CONCACAF Champions League, and in players’ financial revenue could be key for other MLS teams to feel complied to fully optimize their own Academies?
The Union’s got an excellent academy that develops players from a very early age; it also has an excellent coach in Jim Curtin and a great sporting director in Ernst Tanner. Academies are becoming important in MLS, and they’re becoming increasingly important to clubs as well as the US team. But they’re just a piece of the puzzle — homegrowns are only part of what makes an MLS club successful.
If MLS Academies are in place for several years, with some promising results, why do the younger national teams keep on failing?
By “the younger national teams failing,” I think you’re maybe thinking about the Olympic team failing to qualify? I wrote about this in my first column for The Striker Texas: The issue this last go-around wasn’t that we aren’t producing the talent to qualify; it’s that our best under-23s weren’t playing on the U-23 team because they’re playing on the senior team. On the day that the U-23s were losing their Olympic qualifying match, the senior team was playing a friendly, and I think the friendly was more important from a “World Cup qualifying players need minutes together” standpoint.
Do you believe that the talent and world visibility of Christian Pulisic can have a major role in bringing more youth to soccer, ultimately contributing to its growth?
Not just Pulisic! Look at Weston McKennie. Look at Gio Reyna. Look at Chris Richards. These are all players with MLS academy experience now with huge European clubs. I would think that would inspire young players.
It seems that many of the international call-ups are made not because of the current talent and performance showed by the players at their clubs, but more from a scouting perspective. For that reason, there are currently dozens of capped players out there. Do you think that the US National Team traditionally calls too many different players, failing to build a cohesive group?
I think at this stage, what they are doing is appropriate. Part of it actually has to do with having a pool of players in MLS and a pool of players in Europe, and the challenges of getting clubs to release players at different times of the season. April and October mean decidedly different things to an MLS team and a Premier League team. I believe, once we round in World Cup qualifying in the fall, it’ll be a more finite universe of players we draw from. But for now, let’s see what these players can do! I also feel like ’22 is going to be a very strange World Cup. I feel that a final eight finish in ’22 would be a huge boost toward ’26 when I think the current generation of players — a golden generation if you will — will be at its peak.
You wrote that you’d expect «whoever takes the coaching helm for 2022 qualification will help the team both articulate an identity and play with a purpose it didn’t consistently find in this last qualifying cycle». Does Gregg Berhalter fill this description?
I do actually think Berhalter has a vision that is manifesting, though I also do think he was experimenting early on and was maybe being too cute and too cerebral for an international squad. You don’t get to work with your national team week in and week out; you need to manifest ideas that can be grasped and executed by players who only get to work with each other occasionally. Josh Wolff, who was an assistant under Berhalter, has a similar system to what the USMNT uses at Austin FC, and it’s been fascinating to see it develop. I do wonder what a coach like Jesse Marsch might bring to this team — I could see him doing some great things with the U.S. squad given the chance — and I’m definitely curious to know how Tata Martino might have been, as it’s come out that he expressed interest in the role. But I’m sure that Berhalter’s the guy until at least WC 2022 unless something completely unexpected happens.
What would you say are the main differences between the team that failed to qualify for the last World Cup and this group that is preparing to start a new cycle?
The main difference is talent and youth. It’s a better team overall than the one we rolled within ’18 qualifying, and it’s not reliant on as many players in their late 20s and 30s. By ’26, some of the key players are going to be in that optimal 24-27 range and will have six to 10 years of international experience, which feels absolutely absurd. Right now, it’s possible to draw up a two-deep roster that’s really impressive. Striker’s still a question mark, but everything else is really exciting, and judging from how Daryl DIke’s progressing, the striker is a lot less of a question mark now!
As your book title says, you believe that the US National Team will win a World Cup. What will it take for the United States to win a World Cup?
What’s in the book still applies! The U.S. will have to develop talent via both MLS and European routes, U.S. Soccer will need to coordinate with the growing MLS scouting network to find talent, and we’ll have to win dual national recruiting with some of the players who could play for both the U.S. and Mexico. (What’s happening right now with Efrain Alvarez, for example, is a reminder that we’re not going to win those all, nor do we have to. There’s certainly still more work to be done, as I haven’t been entirely sold on how they’ve looked in their recent friendlies, but I’m optimistic for the future.