Entrevista

Os portugueses que abrem caminho pelas raízes do ‘soccer’ norte-americano

António Ribeiro / August 11, 2017

Nos relvados inóspitos da PDL, quarta divisão norte-americana de futebol, um trio de jovens futebolistas portugueses deixou a sua marca na temporada sazonal que terminou recentemente. Martim Galvão, João Delgado e André De Giorgi ainda mal começaram o seu percurso desportivo nos Estados Unidos, e as perspectivas já são entusiasmantes.

A Premier Development League (PDL) é, como o próprio nome indica, uma competição assente no desenvolvimento, mais concretamente de jogadores jovens, universitários na sua grande maioria. Integrada no quarto escalão da pirâmide futebolística norte-americana, a PDL serve muitas vezes de antecâmara para voos mais altos. O caso mais notável, sem mencionar as dezenas que seguiram para a Major League Soccer, é o do internacional bósnio Vedad Ibišević, actual avançado do Hertha BSC. O seu sucesso no futebol universitário e na PDL entre 2003 e 2004 chamou a atenção do Paris Saint-Germain, onde iniciou a sua respeitável carreira europeia.

Cada vez são mais os portugueses a experimentar este circuito alternativo, como o Fair Play já tinha dado conta previamente, atraídos pela oportunidade de poder conciliar os estudos com a prática do futebol. Martim Galvão, a um semestre apenas de concluir o curso em Gestão na Pfeiffer University, na Carolina do Norte, já conseguiu trilhar um percurso digno de registo nos Estados Unidos. Aquando do seu último ano na equipa de juniores no Real Massamá, Martim Galvão decidiu arriscar a aventura, através da empresa espanhola USE America, especializada no recrutamento e encaminhamento de jovens futebolistas da Península Ibérica para o ‘soccer’ universitário.

Nas três épocas em que representou os Pfeiffer Falcons no segundo escalão universitário, o centrocampista luso acumulou estatísticas individuais impressionantes (22 golos e 45 assistências em 67 partidas), e fez parte do êxito colectivo de 2014/15, onde se sagrou campeão nacional só com vitórias (25). «Foram 3 anos muito positivos. A época de 2014/2015 foi a primeira de 10 jogadores estrangeiros, grupo este que se manteve durante os 3 anos, e talvez tenha sido essa a chave para o nosso sucesso colectivo. A qualidade dos jogadores aliada à qualidade do treinador acabou por ser determinante. Bob Reasso foi um treinador muito importante para o meu crescimento como jogador e ajudou-me a alcançar alguns objectivos pessoais. Durante os 3 anos de Falcão ao peito tive todas as condições necessárias para ser bem-sucedido!».

Para além do convite dos Ocean City Nor’easters para actuar na PDL em 2016, as exibições convincentes fizeram de Martim Galvão o primeiro português a ser convocado para o MLS Combine, um evento que reúne as principais figuras do futebol universitário numa série de encontros amigáveis, em vésperas do tão antecipado Super Draft. «Foi uma boa experiência. Qualquer miúdo aqui ambiciona fazer parte dos 70 jogadores escolhidos para o Combine, em Los Angeles, e ter lá estado significa que há quem tenha reconhecido o meu valor». Infelizmente, Martim Galvão acabou o Draft sem receber nenhuma proposta, algo que o forçou a procurar novos caminhos. «Não ter sido seleccionado foi só mais um teste à minha resiliência».

Em poucos meses, o jovem luso terminou o período de experiência em Tampa Bay, ao serviço dos Rowdies, tentou a sorte em Harrisburg City, nos Islanders presididos pelo português Tiago Lopes, e ainda teve tempo de dar um saltinho à Noruega. Assentou em Nashville, num emblema estreante da PDL que prepara o salto para o segundo escalão nacional. Por lá, as coisas não correram tão bem a nível colectivo, com o clube a falhar o acesso aos Playoffs, mas Martim Galvão voltou a não passar despercebido. No Top-50 de promessas da competição, fabricado por olheiros e treinadores de todo o país, o português ocupou a honrosa 14ª posição, em 2017. E agora, o que se segue? «Sinceramente, não sei ao certo o que se segue. Adoro Lisboa e se pudesse tinha ficado em Portugal mas aqui, actualmente, tenho condições mais favoráveis. Enquanto assim for ficarei por cá. Até porque gosto de viajar e aproveitar enquanto sou jovem».

E se Martim Galvão não conseguiu a qualificação para os Playoffs, foi à custa dos Myrtle Beach Mutiny, emblema onde actua o ainda caloiro João Delgado. O próprio confessou-se surpreendido por ter sido convidado por um clube da PDL logo no seu ano de estreia na Bluefield College, na Virgínia. «Não estava à espera. A primeira vez que ouvi falar da PDL foi em Janeiro. Os meus colegas começaram a dizer que tinha de jogar na PDL para jogar num nível mais exigente. Foi isso mesmo que aconteceu. Tem sido uma excelente experiência». Apesar do estatuto de caloiro, João Delgado foi o 11º jogador mais utilizado da equipa, e os próximos anos prometem ser ainda melhores para o médio português.

Faz agora um ano que João Delgado viajou até aos Estados Unidos, através da Sports4Me, empresa portuguesa «especializada na preparação e colocação de jovens atletas-estudantes no sistema universitário americano através de bolsas desportivas e/ou académicas». No comando das operações da Sports4Me encontramos João Pedro Carvalho, que nos explica melhor o ‘fenómeno’ João Delgado. «Era um atleta que já conhecia que nos abordou já muito tarde. Como atleta e rapaz, 5 estrelas. O típico atleta com quem gostamos de trabalhar, bom na sua modalidade e acima de tudo, esforçado, dedicado também nos estudos. Acresce a tudo isto uma óptima educação, boa postura, e estamos a falar de um atleta-estudante que reúne todas as características pretendidas pelas universidades americanas e que temos todo o gosto sempre de apresentar. O seu sucesso e de todos os outros não nos surpreende nada».

‘Os outros’ de quem João Pedro Carvalho fala, são os restantes jovens atletas também colocados no circuito universitário norte-americano pela Sports4Me. Em apenas ano e meio de actividade, já foram colocados cinco atletas, e para o ano lectivo que se avizinha, ultimam-se os pormenores para pelo menos mais 25, o que representará uma taxa de colocação próxima dos 80%. «Esperamos que rapazes como o João, a quem por vezes não lhe é reconhecido o devido mérito ou talento possam de futuro, nos EUA, mostrar e provar que o mérito nos EUA não é uma palavra a mais no dicionário. Trabalhas e és recompensado. Nada mais. É a cultura americana baseada em meritocracia e os atletas-estudantes portugueses começam cada vez mais cedo a verem o seu trabalho reconhecido», completa João Pedro Carvalho.

Mas nem só de sucesso futebolístico se escrevem estas aventuras, como explica João Delgado, quando questionado acerca da sua adaptação a uma nova realidade. «Uma das coisas que mais me surpreendeu foram os horários das refeições, que são muito cedo, e as horas a que as pessoas vão para casa. Em Portugal estamos habituados a ficar na rua até mais tarde, seja para beber um simples café com amigos ou para conhecer uma zona diferente da nossa, mas onde vivo, em Bluefield, isso não acontece. Às 20h já não vês ninguém na rua. Para uma pessoa que gosta de interacção social e que precisa disso para facilitar a adaptação, não foi fácil. A nível desportivo o que mais me surpreendeu foram as condições que cada universidade tem para os seus atletas. Em muitas equipas profissionais em Portugal, não encontras as mesmas condições».

João Delgado e os seus Myrtle Beach Mutiny ficaram-se pelos oitavos-de-final nos Playoffs da PDL, mas houve quem ainda tivesse chegado mais longe. É o caso de André De Giorgi, outro português em evidência na competição. Defendendo as cores do Mississipi Brilla FC, o extremo conseguiu alcançar as meias-finais da PDL, no mesmo ano em que concluiu a sua licenciatura em Gestão Administrativa na Tusculum College, no Tennessee. «Somos uma equipa muito unida dentro e fora de campo, humilde, mas com ambição. Quase todos jogam no futebol universitário, mas somos quase todos capitães ou jogadores muito importantes das várias equipas, que fazem a diferença, por isso a liderança foi um factor determinante para ganharmos jogos».

Para chegar aos Estados Unidos, André De Giorgi brilhou nuns treinos de captação organizados pela U.S.E America – University Sport Expos em Lisboa, e recebeu de imediato propostas tentadoras de várias universidades. Na altura, representava a equipa de juniores do Estoril Praia, enquanto estudava na Universidade Europeia, mas «em Portugal estava a ser muito difícil conciliar a Universidade com o futebol».

Sobre a adaptação, «o que mais me surpreendeu foi a diversidade de culturas dentro da cultura, as universidades americanas têm imensos alunos internacionais, chegam a ter mais de 30 modalidades desportivas diferentes, no género feminino e masculino. Ao contrário do que normalmente se pensa na Europa, as equipas de futebol (soccer) são muito competitivas, e têm jogadores de todo o mundo. Metade da minha equipa era composta por 10 Nacionalidades diferentes, e isso enriquece muito a experiência, dentro e fora de campo».

Devido ao bom desempenho académico e desportivo, André De Giorgi ganhou uma bolsa para fazer o Master. Escolheu fazer a especialização em Sports Management, na Adelphi University, em New York, onde prosseguirá o seu feliz percurso.

Os casos de sucesso de jovens futebolistas portugueses em universidades norte-americanas são cada vez mais comuns, e não convém perdê-los de vista. Martim Galvão, João Delgado e André De Giorgi, estão só a abrir caminho para muitos outros que virão.

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