Entrevista

Caleb Patterson-Sewell: O guarda-redes nómada

António Ribeiro / May 30, 2014

Caleb Patterson-Sewell ‘perdeu’ o apelido quando chegou a Portugal, onde é apenas conhecido pelo nome próprio. No entanto, as suas competências técnicas mantiveram-se intactas. Ao serviço do Gil Vicente Futebol Clube, o guardião Caleb acaba de cumprir a sua terceira época em território português.

Natural dos Estados Unidos, mudou-se ainda em criança para outro país que também recorre à palavra soccer quando se refere àquilo a que os ingleses batizaram de ‘futebol’: a Austrália. Durante a sua juventude em Gatton, no Estado de Queensland, chegou a experimentar o popular rugby, mas foi o futebol que o conquistou.

«Não foi fácil porque eu venho de um ambiente operário e rural australiano, onde o futebol não era popular. Se não jogares rugby, não és ‘duro’, por assim dizer».

Enquanto integrava as camadas jovens dos Toowoomba Raiders, despertou o interesse de vários emblemas europeus. Entre 2004 e 2005, contabiliza breves passagens pelas academias do Anderlecht, Sheffield Wednesday e Liverpool. Um ano e três clubes depois voltou ao clube que o formou. Novas propostas provenientes do ‘Velho Continente’ não tardaram, mas Caleb optou por rumar aos Estados Unidos, na esperança de atraír os grandes clubes da Major League Soccer (principal competição de clubes norte-americana).

Aos 20 anos assinou pelos extintos Cleveland City Stars, do segundo escalão, e conseguiu dar nas vistas através de uma campanha positiva na US Open Cup (prova comparável à Taça de Portugal).

«Quando cheguei a Cleveland, era muito jovem e não recebia nada. Todos nós estávamos lá com o objectivo de conquistar um estatuto no plantel e o consequente salário, ou então vir a representar um clube maior. Tínhamos uma boa equipa técnica e um bom presidente, o que tornou tudo mais fácil, apesar da nossa luta pela sobrevivência. Penso que ter de jogar por algo maior ajudou-nos nessa competição».

O seu objectivo cumpriu-se depois de um período experimental bem-sucedido nos New York Red Bulls, que levou à sua contratação. Tornou-se o guarda-redes mais novo da MLS, e fez parte da convocatória que disputou a final da competição em 2008 diante do Columbus Crew.

«Nova Iorque foi o sítio onde mais me diverti em toda a minha carreira. Tudo era óptimo, incluindo os adeptos».

Apesar da experiência declaradamente positiva, as oportunidades na primeira equipa nunca apareceram na temporada de estreia. Caleb rejeitou uma proposta de renovação apresentada pelo clube, e decidiu procurar um destino onde poderia ter mais minutos.

«Teria sido mais fácil para mim se tivesse aceitado o contrato. Continuava a sentar-me no banco e a fazer parte de um grande clube. Mas eu não sou assim. Eu quero jogar. O futebol é isso mesmo, e se não jogares regularmente não consegues progredir verdadeiramente».

Voltou a atuar nas divisões inferiores dos Estados Unidos, primeiro na Carolina do Norte, e depois em Miami. Nas duas épocas esteve entre os principais guarda-redes da prova, sendo sempre o mais novo de todos eles. Os observadores não ignoraram as prestações positivas do australiano e outras portas abriram-se diante dele, algumas para lá do Atlântico.

«Existe muito talento nas divisões inferiores do futebol nos Estados Unidos, à espera de uma oportunidade. Felizmente, posso afirmar que tive a minha, e aproveitei-a ao máximo».

Experiência em Portugal

Caleb vestiu as cores do Atlético Clube de Portugal, recém-promovido à II Liga em 2011/12, e assumiu-se como titular indiscutível na baliza. Não se previa uma temporada confortável para a equipa sediada em Alcântara, mas contra todas as expectativas, o conjunto orientado por João de Deus terminou o campeonato num honroso nono lugar. O sobrenome Patterson-Sewell desapareceu em Portugal, aspecto que não afectou o reconhecimento do seu talento, ao ter sido nomeado para melhor guarda-redes da competição no seu ano inaugural.

O êxito verificado na sua estreia em território nacional não passou despercebido, e seguiram-se duas épocas no principal escalão. Porém, os registos indicam pouca utilização durante esse período. Primeiro, no Vitória Futebol Clube, de onde pediu para sair por não sentir a estabilidade que considerava necessária à sua permanência.

«Diria que o primeiro ano em Setúbal foi provavelmente a opção errada para mim. Penso que não era talhado para o treinador e foi muito difícil assentar. Nunca me foram dadas grandes oportunidades».

Em 2013/14 o técnico João de Deus assinou pelo Gil Vicente Futebol Clube, e levou de imediato Caleb para Barcelos, reconhecendo desta forma o trabalho desenvolvido no Atlético CP. Ainda assim, a preferência recaiu no experiente Adriano Facchini, fazendo com que o australiano alinhasse apenas na Taça de Portugal e na Taça da Liga. Revelou-se uma unidade importante para a equipa na 4ª Eliminatória da Taça de Portugal, diante do Cova da Piedade, ao defender duas grandes penalidades que garantiram o apuramento aos oitavos-de-final da prova.

«No Gil Vicente o ambiente tem sido fantástico, apesar de não ter jogado no campeonato este ano. Penso que o João é um grande treinador com bons métodos e calmo com os jogadores. Tem um pensamento moderno e os jogadores respondem a isso».

O sonho de ser treinador

No decurso da sua experiência no futebol português, Caleb inaugurou uma escola de formação de jovens jogadores nos Estados Unidos. Em Hendersonville, cidade que o viu nascer, e em Nashville, localidade também pertencente ao Estado do Tennessee, podemos encontrar a Caleb Patterson-Sewell Soccer Academy.

«Ainda tenho vários laços com Nashville, e dar uma ajuda aos novos jogadores foi algo que sempre quis fazer. Criei a academia também a pensar na minha vida depois do futebol profissional. Assim, quando me retirar posso treinar e continuar a ajudar a abrir portas para outros jogadores ao proporcionar-lhes um treino de qualidade».

A forma como o atual jogador do Gil Vicente encara o treino transformou-se decisivamente depois da sua estadia em Portugal. Aliás, ao consultarmos a página oficial da sua academia, verificamos que os processos utilizados são “baseados nos métodos de treino portugueses para jovens jogadores de futebol”. Caleb não esconde que uma futura carreira como treinador é um objectivo pessoal a longo prazo.

«Já estive presente em vários treinos em Portugal e penso que a forma como eles trabalham com os jovens jogadores é óptima. Todos têm a bola e ninguém tem medo dos desafios. O talento e a técnica são evidentes muito cedo, algo que falta nos Estados Unidos. Lá os jogadores não jogam na rua como vemos em Portugal, e acredito que este tipo de coisas ajuda um jogador a melhorar».

À procura da primeira internacionalização

Neste momento, encontra-se elegível para representar a selecção dos Estados Unidos ou da Austrália. Não tem uma opção preferida, mas a equipa da Oceânia reúne maiores probabilidades no que diz respeito a uma eventual internacionalização. As portas australianas têm-se aberto para receber uma nova geração de guarda-redes, que pretende dar seguimento ao legado de jogadores importantes como Mark Bosnich, Željko Kalac ou Mark Schwarzer, e Caleb está na calha.

«Tenho amigos nas duas equipas. Apesar de saber que responsáveis da selecção australiana já me vieram ver jogar, para mim era uma honra jogar por qualquer um dos países. Representar um país é aquilo com que os jogadores sonham».

Desde que começou a integrar equipas seniores, Caleb já actuou em três continentes e em quase uma dezena de equipas diferentes. Este percurso nómada deriva da sua coragem de abraçar novos desafios, sempre em busca de um lugar onde o reconhecimento do seu talento se traduza em minutos ao mais alto nível. Em busca da sua própria felicidade.

Fotografia: Gil Vicente Futebol Clube

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