Comentador habitual de partidas da Major League Soccer na BTV, Luís Catarino aceitou o desafio de conversar sobre o presente e o futuro da competição. O jornalista desportivo não mostra receios em passar um atestado de qualidade à mais importante prova de clubes dos EUA, afirmando inclusive que se trata do «melhor campeonato do continente americano».
Como começou a sua aventura profissional pela MLS? Já acompanhava o campeonato?
Era um espectador pontual da MLS antes de começar os comentários na BTV. Cheguei ao canal em Agosto de 2013 e ainda comentei bastantes jogos da MLS desse ano. Sempre li muita informação sobre a competição, mas foi à medida que fazia os comentários na BTV que aprofundei conhecimentos e que comecei a ganhar o gosto pelo campeonato. Acho que, nesta temporada, foram muito mais os jogos bons a que assisti, do que os jogos maus. Isso é um bom sinal, ao contrário daquilo que acontecia com a liga brasileira, ali bem perto. Acho que, hoje, em termos de estímulo, de organização e de estrutura, a MLS dá 10 a 0 ao Brasileirão.
O que o surpreendeu mais na MLS?
Pela positiva, a atmosfera festiva que existe nos estádios. Pela negativa, talvez a grande carga de jogos a que os jogadores são submetidos. Tens uma temporada muito grande, desde Março até Dezembro. São deslocações de costa a costa nos EUA, que é um país bem maior do que o nosso ou do que qualquer outro país europeu, com a excepção da Rússia. Todas essas questões imprimem um grande desgaste a nível físico, e havendo esse desgaste, é pedido aos jogadores norte-americanos um grande trabalho ao nível da resistência. Hoje, no futebol norte-americano privilegia-se mais a questão do “super-atleta”, em termos físicos, e acho que isso deteriora um pouco o treino na vertente técnica. Gostaria de ver na MLS um treino mais dedicado ao futebol mais técnico. Neste momento, ainda é difícil para os jogadores mais tecnicistas emergirem, porque é muito privilegiado o jogo mais físico, o contacto. Acho que isso tem muito a ver com o conceito do desporto norte-americano que adora o choque e o contacto. Vamos ver como é a MLS vai evoluir. Existe pujança financeira, ainda que Don Garber, o Comissário Executivo da MLS, esteja a lutar por uma serenidade no controlo financeiro das contas dos clubes. Não entrar em loucuras nem em grandes gastos, para que os clubes tenham sustentabilidade no futuro, e para que não sejam cometidos os erros do passado, nomeadamente a questão da NASL.
Já tem um clube norte-americano preferido?
Respeito muito os Seattle Sounders por apresentarem uma média de espectadores acima dos 40 mil. Gosto também da cidade de Seattle, muitas bandas norte-americanas do grunge vieram daí. Tenho um particular apreço pelo Seattle, embora nesta temporada tenha gostado da forma como os FC Dallas jogavam. Gostava muito da velocidade imprimida pelos dois médios-ala, o Castillo e o Escobar. No Seattle também gostava na perspectiva da marcação à zona dos centrais do Marshall e do Scott, porque é uma vertente onde o futebol norte-americano ainda falha, na demasiada procura da marcação individual. O futuro da MLS também passa um pouco pela questão do treino. Trazer treinadores europeus que consigam implementar mais marcação à zona porque esse é um dos factores decisivos para a evolução táctica do futebol norte-americano. Acho que ainda existe demasiado proteccionismo em termos da conservação dos treinadores norte-americanos na MLS.
A final da MLS 2014 foi seguida em todo o mundo por 2 milhões de espectadores, números que representam um aumento quase de 100% em relação à temporada anterior. Com a chegada de mais dois clubes, um deles com fortes ligações à Europa, acredita que 2015 será um ano de viragem no que diz respeito ao mediatismo da MLS?
Sim. Jogadores como o Lampard, o Villa e o Káká trazem obviamente muito mais carga mediática, e aproveita-se de certa forma o balanço da campanha no Campeonato do Mundo. Vamos ver como é que vai ser gerida essa situação da selecção norte-americana, na sua relação com a MLS. O caminho é num sentido positivo. Acho que gradualmente, e os registos estatísticos e financeiros têm sido favoráveis. Todos os anos existe evolução, tanto em termos de receitas televisivas, como na venda de merchandising de produtos associados aos clubes. A competição está a crescer. Se calhar não vai crescer ao ritmo que as pessoas esperam, mas a tendência é gradualmente positiva, e jogadores como o Lampard, o Káká ou o Villa, certamente vão dar um grande impulso, e se calhar não vamos ficar por aqui. A expansão é uma certeza, e isso é um sinal de vitalidade da MLS.
Debrucemo-nos agora sobre os campeões LA Galaxy. Poderá o abandono de Landon Donovan comprometer a hegemonia dos californianos e de Bruce Arena (3 campeonatos em 4 anos)?
É uma excelente questão. Tenho dúvidas, e vamos esperar pelo começo de 2015 para percebermos esse efeito. Os LA Galaxy souberam reagir à retirada do Beckham, mas ainda assim, contavam com o Donovan. O Keane, mesmo sendo o jogador mais valioso da temporada, consegue ser substituído por outro Jogador Designado, agora o Donovan tinha mais do que isso. Era um verdadeiro símbolo do futebol norte-americano e impunha muito respeito aos adversários.
A temporada de 2015 marca também a estreia de dois novos emblemas na MLS: o Orlando City Soccer Club e o New York City Football Club. O que devemos esperar deste alargamento?
Sobre o Orlando City Soccer Club, ainda só vi um jogo esta temporada. Acho que é uma equipa que pratica bom futebol. Não sei se isso será suficiente para conseguir uma série de resultados positivos na dimensão da MLS. Relativamente aos New York City Football Club, acho que vai ser extremamente empolgante o fato de jogarem no Yankee Stadium, pelo menos para já enquanto não têm o seu estádio próprio. Vai ser entusiasmante ter um clube verdadeiramente da cidade de Nova Iorque, mas obviamente que o plantel vai viver muito à base do Lampard e do Villa. Vão funcionar com uma espécie de eucalipto e sugar a qualidade toda.
Que argumentos utilizaria para convencer um adepto de futebol que não siga a MLS, a passar a fazê-lo?
Em primeiro lugar, tens sempre a garantia de jogos animados e com muita vivacidade. São equipas que nunca jogam para o empate, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Por vezes falta-lhes alguma perspicácia para segurar os resultados, ainda lhes falta essa cultura de futebol europeu. De todos os jogos da MLS que eu fui comentando, na sua esmagadora maioria das vezes eram jogos empolgantes. Acho que ainda existe por parte das pessoas uma certa resistência ao futebol norte-americano. Há bons argumentos a favor da MLS, que é, na minha opinião, o melhor campeonato do continente americano, de longe.
Melhor do que o campeonato mexicano?
Em termos de relação qualidade técnica com o mediatismo e a envolvência, sim.
Então o que explica o domínio mexicano na Liga dos Campeões da CONCACAF? Desde o novo formato implementado em 2008/09, os vencedores foram todos oriundos do México, e apenas por uma vez um conjunto da MLS marcou presença na final.
Talvez falte alguma sagacidade. Primeiro, o tecto salarial das equipas norte-americanas barra um pouco o crescimento dos clubes, ainda que existam questões positivas nessa limitação, porque as equipas criam mais sustentabilidade financeira e conseguem crescer de uma forma mais delineada. Comparativamente com os clubes do México, acho que o jogador mexicano tem mais ratice. Isso tem a ver com uma questão que eu defendo de forma acérrima que é a aposta no futebol de rua, que falta nos EUA. Por muitas condições que sejam criadas através das academias, a verdadeira capacidade técnica e criatividade são ganhas no futebol de rua, com campos de futebol de 5 mais inóspitos, espaços curtos, tentar encontrar soluções contra jogadores mais velhos. Num registo mais anárquico, o jogador é obrigado a crescer, seja por onde for. No México, o jogador é mais matreiro, no sentido positivo da palavra, e depois, ainda existe grande saúde financeira por parte do capital privado no campeonato.
Escolhas de Luís Catarino sobre a MLS 2014
Melhor Jogador: Robbie Keane
Melhor Jogador Jovem: Fabián Castillo
Equipa Sensação: New England Revolution
Equipa Desilusão: Toronto FC
Jogador Revelação: Kekuta Manneh
Jogador Desilusão: Eddie Johnson
Jogador Confirmação: João Plata
Melhor Treinador: Bruce Arena
Onze da Temporada
Fotografia: Inês Navalhas