Entrevista

Nuno Santos e Olivier Bonamici: as vozes da MLS em Portugal

António Ribeiro / January 18, 2016

No que ao futebol diz respeito, a Eurosport continua a notabilizar-se pelas transmissões dos grandes torneios internacionais de jovens, de futebol feminino, e da Taça das Nações Africanas (CAN). Contudo, o ano de 2015 trouxe uma nova competição ao rico portfólio do canal desportivo que entrou nas televisões portuguesas no virar do século XXI. Referimo-nos à Major League Soccer, principal competição de clubes norte-americana e canadiana. Concluída a temporada de estreia, aproveite para ler na íntegra a entrevista exclusiva com Nuno Santos e Olivier Bonamici, comentadores da Eurosport.

Como reagiram a esta forte aposta da Eurosport na Major League Soccer? O que é que conheciam da prova?

NS: Para nós foi fantástico. É um campeonato que continua a crescer, e sentimos que o ano passado, o vigésimo da MLS, era a altura ideal para o canal apostar naquilo que quanto a mim, vai ser um campeonato com outra dimensão, ainda mais global. Não era um campeonato que seguisse de propósito, a não ser na recta final, porque também sentia que não era muito bem tratado onde estava. Houve na altura uma aposta na BTV, e depois, com o passar do tempo, senti que começou a ser colocado um pouco de parte. Creio que na Eurosport, conseguimos elevar o interesse do público na competição. Foi-se criando uma comunidade muito engraçada, com muita gente a acompanhar. Para nós foi fantástico.

OB: O meu interesse não era pouco, era pouquíssimo. Estava a marimbar-me completamente para a MLS. Acho que a aposta foi óptima porque era um campeonato que não saiu muito caro, e tem um potencial gigante para crescer. Foi uma óptima visão da Eurosport, sobretudo agora com a chegada de muitas estrelas conhecidas internacionalmente. Por isso fiquei super contente.

Prepararam-se de alguma forma especial?

NS: Preparámo-nos muito. Foi quase como pegar num livro e lê-lo pela primeira vez. Conhecia meia-dúzia de jogadores, as grandes estrelas que foram para lá. Descobri um fenómeno local que desconhecia em parte: muitos jogadores norte-americanos são enormes lá, e na Europa não são conhecidos.

OB: Há um caso desses que diz respeito a um jogador francês, o Aurélien Collin. Em França ninguém conhece o rapaz. Não conheço uma pessoa em França que saiba o nome dele, nem mesmo os jornalistas da ‘France Football’. Mas nos Estados Unidos ele é conhecido, porque já ganhou a MLS Cup. Mais do que saber os nomes, temos também de perceber a importância que eles têm para os adeptos norte-americanos.

O que é que mais vos surpreendeu?

NS: Antes de mais, a qualidade de jogo não é tão arcaica como poderíamos supor. Existe um fenómeno muito engraçado que marcará o patamar seguinte a nível da qualidade de jogo, que é a entrada de técnicos europeus. Fiquei agradavelmente surpreendido. Outra coisa é a incerteza no resultado. Há quase sempre golos. É aquela mentalidade norte-americana de nunca jogar para o 0-0.

OB: Surpreenderam-me muitas coisas. O fair-play do público norte-americano, por exemplo. Acho que isso tem a ver com a falta de conhecimento. Espero que eles não ganhem muito conhecimento, senão vão tornar-se bárbaros como nós aqui na Europa. Nos Estados Unidos, ainda podemos ir ao estádio em família, na Europa nem tanto. Em segundo lugar, fiquei impressionado com a cobertura da comunicação social norte-americana. Uma cobertura muito interessante, super estatística. Uma cultura completamente diferente da europeia. Depois, achei interessante a mentalidade norte-americana. Lá vemos um nacionalismo positivo, através do hino. Apesar das diferentes nacionalidades, todos jogam para o campeonato dos Estados Unidos. É a descoberta de outra cultura. Podia dizer também que me surpreendeu o facto de, em Portugal, muitas pessoas ligarem a esta cultura norte-americana, e já a conhecerem muito melhor do que nós. Mas também não gostei de algumas coisas. Não gosto do cinema que eles fazem em relação à estatística. Cansa-me ver isso, porque o futebol, para mim, não é estatística. Cansa-me também o facto de considerarem que qualquer jogador é uma estrela. Só porque o Andrea Pirlo faz duas jogadas extraordinárias, continua a ser um jogador extraordinário. Na verdade, Pirlo já baixou muito de nível. Nos Estados Unidos existe uma espécie de culto das estrelas, que me incomoda um pouco, à imagem do basquetebol. Mas de uma forma geral, acho que nós na Europa temos muito a aprender com o espírito de fair-play.

NS: E a nível de arbitragem. Raramente havia casos de arbitragem. A coisa era resolvida na hora. Não se passa uma semana a falar de um erro de arbitragem. Nunca ouves um técnico ou um jogador após uma derrota, a justificar essa derrota com a arbitragem.

É mais difícil comentar jogos de futebol de madrugada?

NS: A vantagem da MLS, pelo menos ao Domingo, é que quando começa, não há nenhum campeonato a decorrer. Às 22h, sei que quem gosta de futebol, está a ver a MLS. É evidente que foi duro no que diz respeito à parte familiar, isto falando numa perspectiva mais individual. É complicado acompanhar a família e os amigos com jogos nas noites de Sexta-feira, Sábado e Domingo. Mas depois, sinto que, quanto mais tarde fosse o jogo, mais acompanhamento havia, pelo menos a nível de redes sociais.

OB: Eu detesto o horário da noite. Sou uma pessoa da manhã, e detesto trabalhar à noite. Custa-me comentar um jogo à meia-noite ou às duas da manhã. Não tenho hipótese porque os jogos não são às sete da manhã, mas pessoalmente preferia que fossem. Ao mesmo tempo, faz-me lembrar quando tinha 18, 19 anos, e seguia jogos da NBA ou torneios de golfe em França com amigos. Quando uma pessoa vê um grande momento de madrugada, é uma sensação um pouco egoísta, tipo «algumas pessoas estão a perder isto e eu não». Eu gosto muito de ter a sensação de que outras pessoas estão a sentir isso mesmo. Gera-se um sentimento de partilha, e egoísta ao mesmo tempo.

É correcto assumir que no estilo de comentário da Eurosport, são as histórias que interessam?

NS: Na Eurosport, tentamos dar a emoção do momento. Há coisas que eu e o Olivier não gostamos especialmente de comentar. A arbitragem é uma delas, assim como a parte táctica muito aprofundada, porque sei que do outro lado haverá sempre alguém que sabe mais do que eu. Depois, às horas em que os jogos são transmitidos, se tu não tiveres uma boa história para cativar quando o jogo é mau, então esquece. Aí perdes automaticamente as audiências.

OB: Para comentar o Real Madrid-Barcelona, é evidente que posso fazê-lo de uma maneira diferente, e salientar mais os aspectos tácticos. Já no caso de um jogo da MLS, ninguém conhece qualquer jogador, por isso a táctica perde o interesse. Apesar de não ser um grande fã dos Estados Unidos, acabámos por descobrir e redescobrir coisas espantosas sobre a cultura norte-americana. O adepto ainda pode beber álcool em alguns estádios, a vertente mais musical, a influência da emigração nos clubes…

Já têm algum clube preferido?

NS: Sinceramente, não tenho nenhum clube. Gostei muito do futebol dos New York Red Bulls, e gosto muito da cidade. Fiquei fã dos campeões, os Portland Timbers, pela envolvência da cidade, pelo espírito dos jogadores…Depois há jogadores fantásticos que, para mim, tinham futuro na Europa. O caso do Darlington Nagbe, Dairon Asprilla, Diego Chara, uma série deles. Perguntas a alguém aqui na Europa quem são eles, e ninguém sabe.

OB: Eu também não tenho clube. Acabo por me entusiasmar com um misto de estrelas como Sebastian Giovinco ou Didier Drogba, e ao mesmo tempo, com jogadores que ninguém conhece na Europa como Kei Kamara ou Federico Higuain.

NS: Outro dado muito curioso é que, quando se pensa que as estrelas iam para a reforma dourada, aconteceu exactamente o contrário. Nós tivemos aqui no último dia o Rafael Ramos, e ele disse que a intensidade de treino do Kaká é uma coisa incrível. E ao longo da temporada, não há uma única estrela a quem eu possa dizer que falhou. Todos deram o litro.

OB: O que não deixa de ser interessante em relação à MLS, um pouco como a CAN, é a conclusão a que cheguei após um ano de comentários: no futebol, o colectivo é mais importante. Nas equipas finalistas da MLS em 2015, Portland Timbers e Columbus Crew SC, não há estrelas.

Que balanço fazem do ano inaugural dos novos franchisings da MLS, New York City FC e Orlando City SC?

NS: No início foi um chamariz, e acho que aí o comissário Don Garber foi inteligente, ao criar duas equipas desenhadas para dar visibilidade à MLS, com Kaká, David Villa…Não posso dizer que este ano tenha sido uma desilusão, não é justo. É um campeonato muito equilibrado. Fizeram o que tinham a fazer.

OB: Discordo ligeiramente do Nuno em relação ao New York City FC. Para mim, desiludiram mais do que o Orlando City SC. Acho que tinham capacidade para fazer claramente melhor, e não é por acaso que o técnico foi despedido. Mas é complicado, não se constrói um clube assim de repente.

Qual o jogador que vos conquistou?

NS: Tantos. Das estrelas, o Giovinco teve uma época ao melhor nível, que de resto, o volta a colocar na selecção. Eu destaco muito mais a qualidade individual do jogador norte-americano, ou daqueles que já lá estavam. Diego Chara, Darlington Nagbe, jogadores que conhecia muito pouco, Dairon Asprilla…

OB: Eu gostei muito dos médios. O Diego Chara, o Mix Diskerud, jogadores que não conhecia. Existem jogadores muito interessantes, mas o valor de muitos esgota-se na dimensão norte-americana. A nível ofensivo, por exemplo, faltam jogadores de topo.

NS: Convém também destacar o português Rafael Ramos, jogador que conhecíamos da altura em que disputava a UEFA Youth League. O Estrela simplesmente não jogou, e deverá ficar numa equipa satélite de Orlando City SC. Paulo Renato pouco ou nada jogou. Steven Vitória também vai ser dispensado. Mas o Rafael foi uma surpresa enormíssima. A qualidade de um lateral-direito que saiu tão novo daqui…Saiu-lhe a lotaria. Ele próprio reconhece a sorte que teve, ao ir para uma cidade como Orlando, e por viver intensamente ao lado de Kaká. Depois há o José Gonçalves, que já é um “americano”.

Que expectativas guardam para a próxima temporada?

NS: Falando a nível do interesse global, a exposição mediática vai ser maior aqui em Portugal, nomeadamente na imprensa escrita. As pessoas vão começar a olhar com outra atenção para a liga. Acredito que na Eurosport vamos seguramente aumentar a nossa audiência. Foi uma época muito boa, olhando para as audiências. Os espectáculos não foram de outro mundo, mas não foram maus. É um campeonato que na Europa está ao nível de uma liga turca ou belga. Não está num patamar superior, mas se surgirem mais estrelas, isso vai gerar um maior interesse. Esperemos que acompanhem a liga na Eurosport, até porque vamos continuar a ter três jogos por fim-de-semana.

OB: À partida, a MLS vai perder pelo menos uma grande estrela, que é Didier Drogba. As estrelas não são assim tão importantes ao nível da qualidade do futebol, mas oferecem visibilidade. Diz-se que Zlatan Ibrahimovic pode, eventualmente, rumar à MLS. Uma ou duas estrelas destas seriam suficientes para dar ainda mais interesse a este campeonato. Espero que os clubes da MLS sejam inteligentes nas transferências, e que continuem a tirar partido do seu potencial financeiro para atrair sul-americanos de qualidade. É um caminho muito interessante.

NS: Depois há sempre a questão de Cristiano Ronaldo. Continua a existir toda aquela expetactiva, será que um dia chegará à MLS? Para nós é bom, porque ainda temos mais três anos de campeonato na Eurosport, mas também não acredito muito que venha a acontecer.

Que argumentos utilizariam para convencerem um adepto de futebol que não siga a MLS, a passar a fazê-lo?

NS: Estádios cheios, cobertura televisiva muito boa, golos e incerteza no resultado. Estes dois últimos factores são meio caminho andado para atrair público que goste de futebol.

OB: Para convencer alguém, eu diria que quando estão connosco na Eurosport, garantimos histórias. Quer sejam sobre a cultura norte-americana ou sobre o jogo de futebol que estamos a ver. Lembro-me muito bem daquela vez em que eu e o Nuno estávamos a comentar um jogo do New York City FC, e começámos a cantar Frank Sinatra. É isso que eu garanto. Essa pequena viagem pelos Estados Unidos ou pelo Canadá.

Fotografia: Bernardo Paixão

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