Algures na Costa Oeste dos Estados Unidos, os conceitos de inovação e de mudança aliam-se de forma única, numa startup que é ao mesmo tempo um clube de futebol. Os recém-nascidos San Francisco Deltas partem na vanguarda com um projecto ambicioso, que promete contagiar outros mercados num futuro próximo, e onde curiosamente, também se fala português.
Tudo começou no início de 2015, quando o actual CEO Brian Andrés Helmick foi desafiado pelo empresário brasileiro Fabio Igel a construir uma equipa de futebol profissional do zero. «Tive de colocar de lado o meu amor pelo desporto, porque quando amas demasiado algo, podes ficar cego», explicou o empreendedor de origem colombiana, notabilizado pela fundação da empresa Algentis, e posterior venda por valores não divulgados, à seguradora HUB International. No seu currículo, podemos não encontrar experiência profissional relevante associada ao desporto, mas Helmick soube fazer as contas certas, na altura em que se impunha, como qualquer bom empreendedor. «Se olhares para as cinco equipas mais valiosas do mundo, três são de futebol. No top-50 de clubes desportivos, 42 estão nos Estados Unidos, mas nenhum desses são de futebol. O maior desporto do mundo não está no maior mercado desportivo do mundo a um nível significativo. Acredito que podemos tirar partido dessa lacuna».
Aproveitando a proximidade de um dos centros tecnológicos mais importantes do mundo, Helmick conseguiu atrair vários investidores de Silicon Valley para arrancar com a startup. Entre os mais reconhecidos, destaque para Jonathan Peachey (antigo CEO da Virgin na América do Norte), Danny Khatib (Co-Fundador, Presidente e COO da Livingly Media) e Josh McFarland (Director de Produto na Twitter), para além do acima referenciado Fabio Igel, principal investidor desta empresa emergente. Aparentemente, não foi difícil conquistar o coração dos investidores, e Helmick estabeleceu inclusive uma lista de quatro critérios a cumprir, na altura de fazer os convites. «1. Tinha de conhecê-los verdadeiramente. Conheço a maioria deles há mais de dez anos. 2. Têm de ser inteligentes e capazes de acrescentar valor ao projecto. 3. Têm de mostrar uma afinidade pelo desporto, e idealmente, amar o futebol. 4. Mais importante, têm de ser simpáticos».
E será o funcionamento de uma startup de futebol assim tão diferente de um clube tradicional? Brian Helmick explica-nos. «Se visitares as nossas instalações, repararás que não existem telefones, nem lugares marcados, nem funções atribuídas. Trabalhamos todos num ambiente aberto que realça a colaboração e a comunicação. Muitos dos nossos funcionários estão a usar a sua experiência em várias áreas fora do desporto, pelo que tendemos a olhar para as coisas de maneira um pouco diferente do que tipicamente olharíamos com uma lente desportiva».
Os San Francisco Deltas iniciaram o seu percurso competitivo este ano, na North American Soccer League, prova referente ao segundo escalão da pirâmide norte-americana. Com quase metade dos jogos da Fase Regular disputados, os Deltas ocupam a segunda posição na tabela classificativa. No entanto, pese embora a importância dos resultados dentro de campo, Brian Helmick ressalva o valor da comunidade, um dos pilares do projecto. «Fazemos um esforço concertado para garantir que apoiamos a comunidade que nos apoia. Temos uma hashtag que utilizamos, #OnlyTogether. Isto só funcionará se o fizermos juntos». Nesse sentido, existem várias iniciativas em curso para envolver cada vez mais a comunidade na vida do clube, muitas delas em parceria com associações não-lucrativas locais. Tornar os bilhetes mais acessíveis a todos, combater a exclusão social e a precariedade, e ajudar as mulheres empreendedoras da região, são alguns dos eixos de actuação primordiais dos Deltas.
«Em última análise, decidi correr este risco porque quero fazer crescer o futebol a todos os níveis, e quero partilhar a minha paixão pelo ‘desporto-rei’ com as pessoas de San Francisco. Esta é a minha casa há 14 anos, e acredito que conseguimos fazer algo muito especial», garante o CEO dos Deltas.
A liderar o departamento do futebol, encontramos uma cara bem conhecida do futebol norte-americano. Todd Dunivant, ex-internacional pelos Estados Unidos, e campeão da MLS em cinco ocasiões, estreia-se assim nas lides dos bastidores, pouco depois de ter anunciado a sua retirada do futebol profissional. «Adoro futebol, e tive a felicidade de jogar profissionalmente por 13 anos. Sempre quis continuar a trabalhar no futebol, e utilizar a minha experiência enquanto jogador para fazer o desporto avançar».
Dunivant mostra-se bastante confiante quanto às chances do clube alcançar os Playoffs logo na primeira época, graças a uma estratégia bem delineada. «Começar uma equipa do zero é entusiasmante e desafiante ao mesmo tempo. A nossa abordagem centrou-se na construção de uma mentalidade colectiva forte, com excelente organização. Queremos ser uma equipa difícil de defrontar e de derrubar. Esse é um bom ponto de partida para qualquer equipa, e depois podemos construir a partir daí».
UM TREINADOR LUSO-DESCENDENTE E ALGUMAS CARAS CONHECIDAS
No balneário dos Deltas também existe quem fale português. A começar pelo seu treinador, Marc dos Santos, um luso-canadiano que continua a fortalecer a sua reputação nas divisões secundárias norte-americanas. Depois da experiência postiiva nas reservas do Sporting Kansas City, da MLS, o técnico confessou o desejo de voltar a orientar uma primeira equipa. «A cidade, a oportunidade de construir outro clube do zero, e de regressar a um certo nível competitivo, foi o que me atraiu para os Deltas».
Revela que já foi abordado para trabalhar em Portugal, mas que nem o clube nem a altura eram os certos. «Neste momento, o meu único foco são os Deltas. Quero fazer o melhor que posso aqui, e não concentrar-me demasiado no futuro. Ele não me pertence». Já em relação aos jogadores lusos, a história pode ser diferente. «A qualidade dos jogadores é fantástica, mas actualmente o valor do futebolista português é elevado, e cria um desafio no recrutamento. Muito provavelmente irei a Portugal observar alguns jogadores no próximo defeso».
Contudo, não é preciso esperar pelo próximo mercado de transferências para encontrar caras conhecidas do futebol português no plantel californiano. A guardar a baliza temos Romuald Peiser, francês que acumulou passagens pela Associação Naval 1ª Maio e pela Associação Académica de Coimbra, esta última onde venceu inclusive a Taça de Portugal, em 2011/12. «Adorei jogar em grandes estádios com 40, 50, 60 mil espectadores por causa da pressão dos media e dos sócios. Foi incrivelmente desafiante jogar contra jogadores de classe mundial, e contra grandes jogadores portugueses».
Após deixar os ‘estudantes’ em 2014, Peiser rumou à América do Norte, onde se assumiu rapidamente como um dos principais guarda-redes do segundo escalão. «Sempre acreditei no meu trabalho, e durante grande parte da minha carreira estive sempre entre os melhores guarda-redes da minha liga, quer fosse em França, Portugal, ou América do Norte». Independentemente do desfecho de temporada, Peiser já entrou a ganhar, quando no início da época pediu a namorada em casamento no relvado, instantes antes de uma das partidas ter começado.
Outra figura dos Deltas que também passou por Coimbra foi Reiner, e a sua contratação contou com a ajuda do próprio ex-colega Peiser. O defesa brasileiro esteve na Coreia do Sul e na Turquia, antes de viajar até San Francisco. «O mister já me tinha visto a jogar em Portugal, e já me conhecia como jogador, então entrou em contacto com o Peiser, que tinha sido jogador dele nos Ottawa Fury. Deu tudo certo para mim, e vim para cá, através do Romuald».
Sobre o seu tempo em Portugal, Reiner guarda boas recordações. «Aprendi muito como jogador, tive grandes técnicos, e cresci como jogador. Aprendi muito como pessoa, os portugueses são um povo acolhedor e estão sempre dispostos a ajudar quem chega novo. Fiz grandes amigos no país e sinto muito a falta deles».
Vale a pena seguir a história dos San Francisco Deltas, não só pelos pontos de convergência entre a cidade e Portugal, que vão muito para além de pontes semelhantes, treinadores ou jogadores. Estamos perante uma experiência nova e excitante, onde o futebol, a tecnologia e a inovação encontraram um espaço comum. E se ‘delta’ significa uma foz de um rio composta por vários leitos dispostos de forma triangular, é caso para dizer, esperemos para ver como tudo isto ‘desagua’.