Entrevista

Tiago Lopes. “O trabalho será sempre a tua melhor resposta”

António Ribeiro / June 14, 2017

Aos 34 anos, Tiago Lopes é hoje um dos presidentes mais jovens no panorama desportivo internacional. O português comanda os destinos do Harrisburg City Islanders, emblema que milita na USL Pro, segundo escalão do futebol norte-americano. Descobre o seu percurso inspirador que o levou até aos Estados Unidos, através desta entrevista exclusiva.

Como é que foste parar aos EUA em 2006, para assumir um cargo importante numa das dIvisões inferiores norte-americanas (USL)?

Formei-me na Faculdade de Motricidade Humana, em Gestão do Desporto, e na Universidade de Liverpool. Em Inglaterra estagiei com o Manchester United após convite do Prof. Carlos Queiroz.

O Francisco Marcos era na altura Presidente da USL e conhecemo-nos no Verão de 2006. Ele estava em Lisboa e eu estava a regressar de Inglaterra. Lembro-me como se fosse ontem. Ele foi directo ao assunto e disse-me: ‘olha miúdo, eu falei com o Queiroz sobre ti e ele falou-me muito bem de ti. Sou Presidente da USL e tenho um projecto na Florida, Estados Unidos, que passa por estabelecer ligações entre clubes nos EUA e Europa. E assim foi. Aos 23 anos fui convidado por ele para director de relações internacionais da USL.  

A USL é hoje uma das 2ª divisões mais prestigiadas no mundo. São 32 equipas em mercados com uma população total de 75 milhões de pessoas. Temos jogos com transmissão nacional na ESPN e chegamos a 17 milhões de fãs. A assistência total no ano passado em jogos do campeonato superou 1.5 milhões de adeptos nos estádios. Marca que será por certo superada este ano.

Para além do teu percurso nos EUA, tens um interessante historial em projectos de grassroots. Fala-nos um pouco disso.

Eu adoro o futebol profissional e a pressão que dai advém. A pressão de ganhar e dos resultados imediatos. Mas os projectos que geram resultados sustentáveis requerem normalmente que tenhas um conceito mais ‘’grassroots’’. Explico isto no sentido de sermos genuínos na nossa mensagem, estar no terreno, ver as coisas acontecer, desenvolver, melhorar e relacionarmo-nos com todos os stakeholders na criação e desenvolvimento do projecto.

Eu estive na criação de alguns desafios marcantes na minha vida e em todos fui um executivo preocupado em idealizar, planear e concretizar a curto, médio e longo prazo. Em 2008, aos 25 anos de idade, fui apontado como CEO do projeto do Manchester United em Portugal que contou com mais de 100 eventos e milhares de participantes de Norte a Sul do pais. Para além de ter participado activamente na formação de jovens treinadores e profissionais que representam hoje projectos de sucesso.

Em 2011, lancei um dos primeiros projectos de futebol na Índia com a criação da BBFS, um projecto de formação de futebol idealizado para Baichung Bhutia, uma das maiores referências na Índia e antigo capitão da seleção nacional. Projecto ainda hoje activo e com centros em diferentes cidades e dezenas de milhares de praticantes em toda a Índia.

Mesmo hoje aqui no Harrisburg não existe projecto que eu desenvolva que não tenha um cariz ‘’grassroots’’ na sua génese. A equipa principal e o futebol profissional tomam muito o meu tempo mas em 4 anos à frente do clube somos um dos clubes mais respeitados ao nível de desenvolvimento de jovens jogadores. Colocámos 12 jogadores na MLS e no estrangeiro. Outra prova é que até Janeiro de 2018 nós vamos anunciar um dos maiores negócios no futebol de formação nos Estados Unidos. Através de acordos estabelecidos com clubes internacionais e na região, teremos acima de 40.000 jovens na nossa pirâmide de futebol formação do clube.

Elucida-nos sobre o trabalho que tens desenvolvido com a Makesphere, empresa que fundaste em 2013.

A minha actividade na Makesphere é muito limitada neste momento mas eu mantenho relacionamentos em diferentes países desde 2011, momento em que fundei a empresa e me levou a fazer consultoria a atletas, treinadores, clubes, federações e executivos nos quatro continentes. A minha paixão sempre foi encontrar soluções em diferentes contextos. Implementar planos e gerar resultados. Os desafios de hoje no futebol obrigam cada vez mais a que se tenha um conhecimento aprofundado de varias vertentes do negócio. Sejam elas ligadas ao treino, aos negócios ou mesmo à gestão de pessoas. Olhando para trás eu orgulho-me de ter trabalhado com profissionais que hoje considero amigos, de ter sido capaz de gerar soluções e resultados nas suas carreiras e até na suas vidas pessoais.

No meio de tudo isto, como é que surgiu a oportunidade de comandar os Islanders?

Em 2013, o Philadelphia Union da Major League Soccer convidou-me para ser Presidente do Harrisburg, que na altura era o seu clube satélite.

O inicio no Harrisburg não podia ter corrido melhor: nos dois primeiros anos batemos todos os recordes na história do clube em termos de assistência, receitas de bilheteira e patrocínios. Fomos ainda à final do campeonato em 2014, inaugurámos novo centro de treino e novo estádio, alcançando uma significativa valorização do clube. Acabei por sair do Harrisburg em 2016 após ter vendido o clube a um novo grupo de accionistas por um valor também ele record.

Após esse período foquei-me na minha licenciatura e em concluir o curso The Business of Sports, Media and Entertainment pela Universidade de Harvard. Poucos meses depois o Harrisburg convidou-me para regressar.  Desde ai tem sido um novo ciclo de desenvolvimento e recentemente, mais uma vez, concluímos a venda do clube para um novo accionista maioritário. A minha actividade tem sido um pouco esta, pegar em projetos e transformá-los de raiz. Passa por analisar os factores de crescimento e valorização de um clube e criar riqueza para os seus accionistas.

Estás perto de completar 4 anos à frente do clube. Quais dirias que têm sido os teus maiores triunfos, dentro e fora do campo?

Eu gosto de ser minucioso nos projectos e tudo começa com um plano bem claro e definido. Eu quando iniciei o Harrisburg, apresentei ao meu Board um plano de negócios com objectivos a alcançar. O meu trabalho ao final de cada período é provar que esses objectivos estão a ser atingidos. Nos últimos 4 anos este clube joga num novo estádio, aumentou as receitas em mais de 100% e a valorização do clube em mais de 500%, concluída a recente aquisição. Mas o futebol é igual em todo o mundo. Podemos declarar os melhores resultados no papel mas se a equipa não ganha temos que questionar quais as peças que faltam no puzzle. Tivemos um ano brilhante em 2014 com a final do campeonato, mas a presente época é sem duvida importante e queremos estar de novo nos playoffs.

O facto de seres um dos presidentes mais jovens dos franchisings norte-americanos trouxe-te algum obstáculo no exercício das funções? Sentiste algum tipo de preconceito ou desconfiança devido à idade?

O preconceito e desconfiança sempre existem mas eu costumo dizer sempre às minhas equipas que o importante é estarmos focados naquilo que podemos controlar. O trabalho será sempre a tua melhor resposta.

Mas essa questão da idade é uma questão interessante. Eu diria que é preciso olhar à experiência e não à idade. Essa pergunta faz-me lembrar muitos momentos da minha vida.  Repare, embora eu não fosse um rapaz viajado, aprendi muito sobre negociações e relacionamento com pessoas no meu próprio bairro, onde aos 10 anos eu já armazenava prateleiras e atendia os clientes no restaurante dos meus pais – fez-me lidar com problemas e soluções. Foi uma experiência importante ou não? Claro que sim, sobretudo ajudou-me a criar uma personalidade de arregaçar as mangas e trabalhar. Às vezes passamos por situações que só mais à frente na vida conseguimos valorizar.  Joguei futebol muitos anos e quase progredi no futebol profissional, não fossem alguns obstáculos e rejeições. Mas essas contrariedades revelaram ser importantes. O jogo tinha outros planos reservados para mim. É tudo uma questão de perspectiva com que se olham as situações

A minha consolidação profissional nos Estados Unidos não foi diferente. Foi um processo que requereu passar por muitas provas. Podemos analisar a idade, a língua, a experiência em liderar um clube e tantos outros obstáculos colocados.  Eu diria que é preciso ter uma grande dose de coragem, perseverança e honestidade para contigo e com os outros. 

Hoje posso dizer que trabalhei com alguns dos melhores jogadores, treinadores, clubes e executivos. Lembro-me de pessoas como o Francisco Marcos, Carlos Queiroz, Alec Papadakis, Nick Sakiewicz e Eric Pettis que me apresentaram diferentes desafios. Foram eles que me abriram as portas para eu estar onde estou hoje. Conto uma pequena história que nunca contei publicamente: quando tomei posse como Presidente do Harrisburg, ainda em 2013, recebi uma carta no clube e nela dizia entre outras coisas ‘’Parabéns, maiores sucessos e espero que seja o começo de algo especial para ti’’ – assinado Sir Alex Ferguson. Isto para dizer que a indústria do futebol é muito um mundo de relacionamentos, reputação e competência. O teu maior currículo é quando alguém analisa os teus projectos, os profissionais com quem trabalhaste e verifica que a credibilidade está lá. Esse é o nosso passaporte profissional.

Os Islanders tiveram recentemente Martim Galvão à experiência, mas o jovem português acabou por não ficar no plantel. O que correu mal?

O Martim apresentou qualidades que se destacaram e é um jogador que vamos acompanhando. Infelizmente para ele na altura que ele treinou connosco nós já tínhamos concluído as nossas inscrições na Liga e com um número limitado de 7 jogadores estrangeiros, que nos obriga a uma selecção mais criteriosa.

Acreditas na multiplicação de fenómenos como o de Martim Galvão, ou seja, no aumento de jogadores portugueses a saltarem das universidades norte-americanas para o Draft?

Admiro e respeito muito os jovens portugueses que deixaram o país em busca de um futuro melhor. Eu próprio deixei Portugal com 20 anos e penso que isso me deu muitas ferramentas que hoje são fundamentais. Penso que as Universidades aqui sempre procuram talentos dentro e fora de campo. Aqui oferecem uma formação que pode muito bem ser decisiva para muitos atletas: quer eles possam ingressar no futebol profissional quer no mercado de trabalho por via das suas qualificações. A minha recomendação passa sempre por dominar o inglês, ter um percurso desportivo atractivo e não olhar para trás, no sentido de ser perseverante perante quaisquer adversidades.

Sentes alguma tentação em recrutar jogadores para os Islanders em Portugal?

Hoje recrutamos jogadores em todo o mundo. Já tive jogadores portugueses, moçambicanos, nigerianos, senegaleses, costa-riquenhos, brasileiros. Óbvio que o jogador português é um jogador evoluído mas isso requer muitas das vezes parcerias com clubes portugueses para a cedência ou empréstimo dos atletas. Hoje nós temos parcerias com clubes na Dinamarca, Gana, Costa Rica, Alemanha, Itália, entre outros países. Portugal acontecerá naturalmente, estou certo.

Tens a intenção de voltar a Portugal a médio ou longo prazo? Ou pretendes continuar a crescer no futebol norte-americano?

Aqui nos Estados Unidos eu já estou integrado e mantenho relações com todos os clubes profissionais, com a liga e federação. Estou a construir o meu percurso aqui e sinto-me valorizado. Repare, aos 34 anos eu lidero todos os departamentos do meu clube. Eu hoje sei o que é desenvolver um plano de negócios, de marketing, desenvolver um jogador ou um clube, relacionar com os media e patrocinadores, vender um bilhete ou comercializar um produto, dinamizar uma academia, entre outras aprendizagens e competências. Amo o que faço e sou apaixonado por aprender e aperfeiçoar-me cada vez mais. É uma experiência que não tem preço.

O meu regresso a Portugal é uma pergunta que me fazem com frequência. Sou apaixonado pelo nosso país onde mantenho relações. Para dizer a verdade o telefone não tocou para apresentar o desafio certo. Quem sabe um dia.

Os Islanders qualificaram-se para a próxima fase da US Open Cup, onde irão defrontar os Philadelphia Union. Qual o plano para eliminar o antigo clube satélite, numa altura em que no campeonato, as coisas não estão a correr tão bem?

Vai ser um jogo extremamente difícil numa fase também conturbada que estamos a tentar ultrapassar. Às vezes basta um jogo destes para que a confiança da equipa possa subir a outros níveis. E é isso que esperamos. Eu lembrei aos jogadores a fase que passámos em 2014 e na mesma altura da época estávamos atravessando um período difícil. Acabámos por perder esse jogo da taça também para o Union mas ganhamos uma equipa a partir dai. Nesse ano conseguimos acesso aos playoffs e chegar à final. É isso que espero na quarta-feira, ganhar mas independentemente do resultado, espero que possamos sair desse jogo como uma equipa mais forte e mais preparada para enfrentar os próximos desafios.

Este ano ficou marcado pela confirmação da USL Pro como uma competição valorosa, depois da promoção ao segundo escalão da pirâmide norte-americana. A juntar isto aos emblemas que trocaram de provas no último defeso, o que achas que pode acontecer num futuro breve? Poderão a NASL e a USL Pro fundir-se?

Como disse anteriormente, a USL é hoje uma das 2ª divisões mais prestigiadas no mundo. Temos estádios cheios com 20.000, 10.000 pessoas todos os jogos. Os clubes que compõem a liga têm capitais muito sólidos que pertencem a grupos muito conceituados. Temos muitos clubes em que os donos lideram também equipas da MLS, NBA, NFL, NHL, MLB. Isso gera influxo de capital, competência e sustentabilidade à USL e os números começam a aparecer. São 17 milhões de adeptos que seguem a USL neste momento. Imagine, mais do que a população toda de Portugal.

Isto para dizer que o crescimento da USL depende de si própria e tenho total confiança na liderança e estratégia de Alec Papadakis e da sua equipa. Nos próximos meses serão anunciadas novas equipas na USL em mercados chave nos Estados Unidos. Ao invés, a NASL está a passar por uma fase muito conturbada que só poderá ser ultrapassada sobretudo com uma mudança de estratégia na sua operação, e no meu entender, com investimentos significativos e entrada de novos grupos formando equipas em mercados chave. Até lá, penso que vamos continuar a ver exemplos de clubes como o Tampa Bay Rowdies a integrarem a USL e fazerem da liga uma das melhores 2ª divisões do mundo.

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