A euforia e o entusiasmo presentes entre os adeptos do Inter Miami na recente apresentação oficial de Lionel Messi não surpreenderam ninguém. Além de se tratar de uma das maiores figuras da história do futebol, Messi chega numa altura em que o clube precisa desesperadamente de um milagre desportivo. Aos 36 anos, conseguirá o astro argentino desafiar as probabilidades e somar novas conquistas? Nas vésperas da tão aguardada estreia do astro argentino com a camisola do Inter Miami, o Soccer em Português dá o contexto necessário a todos aqueles que pretendem acompanhar a nova aventura de Messi na Major League Soccer.
Foi no passado dia 8 de Junho que Lionel Messi surpreendeu o mundo do futebol, ao anunciar o Inter Miami como o seu novo clube. Contra todas as expectativas, um jogador que soma mais de 43 troféus colectivos, 7 Bolas de Ouro e mais de 800 golos oficiais, só para citar alguns dos seus números estratosféricos, decidiu deixar a Europa, rumo ao calor da Flórida. A sua comunicação representou, sem margem para dúvidas, a maior notícia da história da Major League Soccer, apenas comparável com a contratação de David Beckham em 2007, acompanhada da inclusão da regra do Designated Player. O impacto mediático foi imediato. Em pouco mais de um mês, a conta oficial de Instagram do Inter Miami passou de um milhão de seguidores para rasar a marca dos 10 milhões. Vários jornais desportivos e não-desportivos norte-americanos deram um raro destaque ao futebol nas suas primeiras páginas, enquanto treinadores e atletas de diferentes modalidades saudaram publicamente a chegada do ex-PSG.
Sobre as razões que levaram Messi a escolher Miami, ao invés de uma proposta bilionária da Arábia Saudita, ou de um convite do seu antigo clube, o Barcelona, o próprio mostrou-se bastante transparente. A família já se encontra familiarizada com a cidade, onde inclusive têm casa, e a influência de David Beckham acabaria por se revelar decisiva. O antigo internacional inglês, quando assinou pelo LA Galaxy em 2007, ficou com o direito de inscrever e dirigir uma equipa na Major League Soccer e foi através dessa cláusula que o Inter Miami nasceu cerca de uma década depois. Por outro lado, face à manifesta incapacidade de competir financeiramente com a proposta saudita, os responsáveis da MLS gizaram um contrato suficientemente criativo para garantir a aquisição de Messi. Além do salário, do prémio de assinatura, e de outras compensações tidas como tradicionais, o novo craque do Inter Miami terá igualmente a possibilidade de virar dono de um clube da MLS no futuro, e receberá uma parte não divulgada dos dividendos obtidos pela Apple e pela Adidas resultantes da competição.
Agora que a poeira começa a assentar após toda a euforia do anúncio oficial, vale a pena olharmos para o cenário que Messi terá de enfrentar na sua nova casa. Messi é o segundo campeão do mundo a jogar na principal competição norte-americana de clubes, antecedido pelo conterrâneo e parceiro na conquista do Mundial de 2022, Thiago Almada, jogador do Atlanta United. Nota ainda para a existência de outros futebolistas argentinos de relevo a militar na MLS (alguns deles internacionais), como são os casos de Luciano Acosta (FC Cincinnati), Julián Carranza (Philadelphia Union), Enzo Copetti (Charlotte FC), Sebastián Driussi (Austin FC), Cristian Espinoza (San Jose Earthquakes), Martín Ojeda (Orlando City SC), Emanuel Reynoso (Minnesota United), Alan Velasco (FC Dallas), Gustavo Bou (New England Revolution), Emiliano Rigoni (Austin FC) ou Sebastián Blanco (Portland Timbers).
Uma semana após a confirmação de Messi, começaram as mexidas no Inter Miami, não só porque o clube estava a afundar-se desportivamente, mas também pela crença legítima de que a presença do novo reforço poderia servir de chamariz para outras figuras importantes. O treinador Phil Neville, a protagonizar um trabalho muito abaixo do esperado há duas épocas e meia, foi dos primeiros a receber ordem de saída. No seu lugar surgiu ‘Tata’ Martino, o homem ideal para assumir esta função. Martino já trabalhou com Messi no Barcelona e na selecção argentina, e tem um conhecimento privilegiado da prova, após dois anos de destaque no comando do Atlanta United. Sagrou-se inclusive campeão da MLS em 2018, numa equipa emblemática liderada pelo talento de Miguel Almirón e Josef Martínez.
Quanto a novas entradas, o presidente Jorge Mas garantiu movimentações durante a presente janela de mercado norte-americana, aberta entre 5 de Julho e 2 de Agosto. Até agora, confirmou-se a aquisição Sergio Busquets, um dos melhores centrocampistas do futebol moderno e parceiro de Messi em muitas das conquistas futebolísticas no Barcelona. Mesmo com 35 anos, está em condições de oferecer um contributo inestimável à sua nova equipa.
Contudo, apesar das palavras esperançosas do presidente e da aparente capacidade financeira, o cumprimento das regras de teto salarial impostas pela MLS podem representar um desafio a curto prazo. A cada clube é permitido o máximo de três Designated Players, jogadores do plantel cujos salários não entram nas contas do orçamento autorizado anual. É a partir da utilização desta cláusula de que as equipas da MLS conseguem habitualmente aliciar jogadores com exigências salariais mais elevadas. Antes de Messi e de Busquets, o Inter Miami já tinha as três vagas ocupadas com Leonardo Campana, Gregore e Rodolfo Pizarro. No espaço de poucos dias, verificaram-se movimentações particularmente ágeis, no sentido de acomodar as principais figuras no plantel. Campana viu a tipologia do seu contrato alterado e Pizarro transferiu-se para o AEK. No caso do médio Gregore, que está a recuperar de uma lesão grave que o manterá fora dos relvados pelo menos até Setembro, o brasileiro viu o seu contrato alterado e deixou de ser Designated Player por via de um mecanismo de adiantamento previsto nos regulamentos. Abriram-se assim as vagas para Messi e Busquets, sobrando ainda lugar para mais um reforço de peso, que deverá ser Jordi Alba, outro rosto bem familiar.
Embora ‘Tata’ Martino seja a escolha ideal para este projeto e a contratação do trio Messi, Busquets e Alba pareça cirurgicamente acertada, o atual cenário desportivo do Inter Miami é desastroso e configura uma montanha muito difícil de escalar. Com cerca de dois terços da Fase Regular cumpridos, a equipa da Florida é a que tem menos pontos de todas as 29 em competição. 18 pontos em 22 partidas, resultantes de apenas cinco triunfos e três empates. Dentro de um plantel extremamente deficitário, muitos dos nomes com capacidade de inverter a situação encontram-se neste momento lesionados, como são os casos do acima citado Gregore, Jean Mota, Franco Negri e Corentin Jean. Dos que estão às ordens de Martino, destaque para o letal ponta-de-lança venezuelano Josef Martínez, um dos melhores marcadores da história da MLS, e para a competente dupla de centrais composta por Sergiy Kryvtsov e Kamal Miller.
O Inter Miami está a doze pontos e a seis adversários de distância de um lugar nos Playoffs, com apenas uma dúzia de jogos para recuperar. A missão parece hercúlea. No entanto, os melhores homens foram recrutados para cumprir este exigente desafio, e por isso, a esperança retornou aos corações dos adeptos do Inter Miami.
Se a situação desportiva na MLS parece extremamente complicada, existem outras competições em que o efeito Messi pode vir a sentir-se ainda esta temporada. O Inter Miami vai disputar em Agosto a meia-final da Taça dos EUA, torneio cujo vencedor garante acesso à Liga dos Campeões CONCACAF do próximo ano. Olhando para as restantes equipas em prova, a equipa de Messi apresenta hipóteses legítimas de disputar aquele que seria o primeiro troféu do seu palmarés. Até lá, ainda haverá espaço para a Leagues Cup, competição que marcará a estreia oficial de Lionel Messi com a camisola rosa já esta sexta-feira, no estádio do Cruz Azul. Face às fragilidades da equipa e tendo em consideração esta fase de inevitável transformação, não existem grandes expectativas para a campanha do Inter Miami. Ultrapassar a fase de grupos já seria uma importante conquista.
De qualquer das formas, a competição oficial pós-Leagues Cup só regressa no dia 20 de Agosto, cenário que dará algum tempo para Martino preparar o milagre desportivo que tanto se deseja em Miami. A lei das probabilidades diz-nos que é praticamente impossível, mas quem já viu Messi jogar sabe que ele se rege por leis próprias.